segunda-feira, 16 de maio de 2011

Ele Gostava



Ele gostava.

Ele gostava de batata-frita e de vídeo-game. Ele gostava de amarelo e também de azul.
Mas ele não gostava dele.

Ele gostava de internet e filmes, séries e quadrinhos, futilidades e utilidades, ele realmente gostava das futilidades.

Mas ele não gostava dele.

Ele gostava de tomar café, gostava de dormir, gostava de acordar, gostava de dançar.

Gostava de ouvir música, de cantar junto com a música, se preciso gritar junto com a música.

Mas ele não gostava dele.

Ele passeava por sua cabeça, sem permissão, ao lavar a louça ou a ligar a televisão, ele aparecia. Não se sabe bem ao certo como ele foi parar lá, mas lá estava ele.

Ele era visto em rostos de outras pessoas, seu nome era imaginado o tempo todo no visor do celular, uma tentativa de nostalgia forçada talvez.

Ele era o único que o causava aquele frio na barriga.

Ele estava naquela música que nunca mais pode ser ouvida.

Ele estava sempre passeando por sua cabeça.

Ele estava lá. Ele está lá. Ele nunca saiu de lá.

Mas ele não gosta dele.

Isso não se chamar gostar.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Bebida



Não pode ser definida pois não há apenas um tipo.

É algo que traz felicidade. Bastante na verdade. Você se diverte, ri, e quer cada vez mais, nunca é o bastante. Às vezes tão extasiado que perde o controle e extrapola na dose, depois tenta compensar com alguns copos d’água, mas é óbvio que a sobriedade não voltará assim tão fácil.

No início não há do que se arrepender, afinal como é algo novo, tenta ir devagar para não causar nenhum problema no futuro, e assim vai virando costume, vai se repetindo. Todo dia. Toda noite. Toda hora. Até se tornar um vício.

Alguns são bem fortes a ela, talvez por costume, talvez pelo simples fato de nascerem com essa habilidade, são copos seguidos de copos, e nada acontece, não os afeta. Conseguem aproveitar o máximo sem que nada aconteça. Eu os invejo.

Mas para o que não conta com tal habilidade, quando menos espera já é tarde demais, não se dá conta, mas está embriagado. Embriagado demais para ver as coisas com clareza. Tudo parece simplesmente maravilhoso, tudo está lindo, tudo está perfeito, o que poderia dar errado? E então você se sente bem, como se nada nem ninguém no mundo pudesse te afetar, de vez em quando parece ter alguma coisa pra te trazer pra baixo, mas nada importa, toma outro gole e tudo fica bem de novo. E fica!

A felicidade parece não ter fim, você é outra pessoa. Mas aos poucos tudo vai voltando ao normal. Aos poucos tudo ao seu redor vai deixando de ser maravilhoso, a beleza vai sumindo, a perfeição já não existe mais, até que tudo escurece, você não vê mais nada, perde seus sentidos.

Você acorda.

Ou alguém te acorda.

De repente você abre os olhos, tudo está estranho, você não entende mais nada. Para onde foram as maravilhas? Por que sumiram? Por quê? A dor de cabeça acompanha os demais sentimentos em conflito, você quer chorar, você quer gritar, você não sabe o que quer. Tudo é tão assustador, nunca se sentiu assim antes e não é nada parecido com o que sentiu a pouco tempo atrás.

Depois de um tempo, você vai lembrar. De tudo. Mesmo querendo esquecer. Lembrará da noite agitada e também da ressaca.

Você tem medo de se arriscar de novo. Mas e algumas doses? Apenas algumas doses. Você as evita, mas ao mesmo tempo as quer, quer esquecer-se de tudo aquilo, mas ao mesmo tempo não quer que tudo desapareça de sua vida.

Tudo acaba te levando de volta ao dia em que tudo isso começou.

Tudo acaba te levando de volta pra ela.

Mas, ah! Ela é traiçoeira. Você volta pra ela, mas ninguém sabe o que ela guarda para você.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Geladeira



Eu abro a geladeira pra pensar, mas nada me vêm à cabeça. Eu começo então a pensar no que eu poderia pensar ou no que eu deveria estar pensando, já que não abri a geladeira a toa. De repente milhões de coisas passam pela cabeça, e eu não consigo entender nenhuma, pegar nenhuma, examinar nenhuma.

Fecho a geladeira, acabo fazendo um lanche com restos de ingredientes e aí sim consigo pensar em algo. Penso em oportunidades. Em todas que perdi. Penso em como tenho medo, penso no tanto que não me conheço, penso no tempo que meu aquário está vazio, penso no cachorro abandonado.

Enquanto isso eu sinto a brisa, uma leve brisa.

Brisa, por não bagunçar tudo, não desarrumar meus livros, não fazer bagunça em minha casa. Brisa porque não é concreta. Mas aos poucos, faz coisas que você não percebe, move coisas, faz folhas voarem, apenas detalhes, nada de importante. Na hora. Com o tempo a bagunça imperceptível vai acumulando e quando você dá por si, já não encontra mais nada. Já não se encontra em mais nada.

Talvez seja preciso mergulhar fundo no aquário vazio, talvez seja mais fácil pegar a chave, abrir a porta e ir embora, talvez. Talvez um milhão de anos pensando ou um milhão de psicólogos ajudando resolva. Talvez abrir a geladeira mais uma vez seja o bastante.